Arthur Soffiati - Veto ao Projeto de Lei do Semiárido
* Arthur Soffiati 16/08/2025 10:23 - Atualizado em 16/08/2025 10:23
Parece que faltou ao legislador desse Projeto de Lei um conhecimento básico dos biomas brasileiros. São Amazônia, Caatinga (semiárido), Cerrado, Pantanal Mato-grossense, Mata Atlântica e Campos do Sul. Há quem considere as planícies costeiras como o sétimo bioma do Brasil. Pois as regiões Norte e Noroeste Fluminenses estão no domínio Mata Atlântica e no bioma costeiro. O atual prefeito de Campos, que apresentou o projeto de lei quando deputado federal, não contou com a devida assessoria. O Norte/Noroeste Fluminense não está na área da SUDENE. Simples assim. Ele desejou que o semiárido pulasse Minas Gerais e Espírito Santo para chegar ao norte do estado do Rio de Janeiro. Foi fácil o veto. Não creio que Lula tenha esse conhecimento básico, mas ele conta com assessoria. O Congresso Nacional também deve contar. Contudo, a assessoria é ruim ou não procurada. Foi o que aconteceu com o PL da devastação, que vale para todo o Brasil. Ele apresenta falta de conhecimento, algo admitido pelo seu relator.
O PL do semiárido volta agora para o Congresso para manutenção ou derrubada do veto. Insistir que o Norte/Noroeste fluminense seja inserido no âmbito da Caatinga será inútil. Não discuto a constatação de que os índices pluviométricos nas duas regiões do Estado do Rio de Janeiro tenham sofrido redução nos últimos anos. Quando chove muito, ocorrem enchentes destruidoras, mas são breves. O mais comum são as secas prolongadas. Elas afetam mais a economia rural do que as enchentes. A pergunta que se deve fazer não é apenas “o que”, mas “por que” algo está acontecendo.
A resposta é complexa. Primeiramente, é preciso reconhecer que o planeta passa por mudanças climáticas. O mundo todo está sofrendo com excesso ou escassez de água. O sul da Europa Ocidental sofre de secas severas no verão. Parece que o deserto do Saara está saltando o mar Mediterrâneo e entrando na Península Ibérica, no sul da Itália e da Grécia, assim como na Turquia. Portugal está em chamas. As temperaturas altas atingem a Inglaterra. O mundo não apresenta mais um clima previsível. Antes, sabíamos que os verões, na zona tropical, eram acompanhados de chuvas intensas com transbordamentos ocasionais. Sabíamos que os invernos eram secos e pouco chuvosos. Tratava-se do clima que, naturalmente, dominou a Terra no início do século XIX, consoante autores como Emannuel Le Roy Ladurie (“Historia del clima desde el año mil”) e Brian Fagan (“O aquecimento global”). Saiu-se de um período frio entre a segunda metade do século XIV e o século XVIII para se entrar numa condição climática mais quente. Foram mudanças naturais de estrutura climática. Porém, com o uso de combustíveis fósseis, a partir da revolução industrial, gases derivados da queima de carbono sólido (carvão), liquido (petróleo) e gasoso (gás natural) afetaram a camada natural de CO2 na atmosfera. O clima começou a se aquecer mais ainda. A economia de mercado liberou gases que aqueceram mais ainda o planeta.
Todas as partes do mundo contribuíram para as mudanças climáticas com intensidades diferentes. Estados Unidos e China são campeões na produção de gases causadores de mudanças climáticas. A contribuição do Norte/Noroeste fluminense foi com o desmatamento colossal da zona montanhosa e o com o dessecamento intenso da planície fluviomarinha. Estamos colhendo os frutos do que outros países fizeram e nós também fizemos.
Tecnicamente, não estamos no bioma da Caatinga, embora as condições climáticas possam se assemelhar as de lá. A economia agropecuária que se instalou aqui contribuiu para as condições climáticas que nos afeta. Mas não fico apenas na constatação. O que aconteceu não se pode reverter totalmente. Não defendo o fim da agropecuária e o retorno da floresta e das lagoas. Entendo o problema dos agropecuaristas grandes e pequenos. Mas pedir ajuda em momentos críticos de estiagem apenas não basta. Invocar o drama de pequenos produtores para atender aos grandes também não. Lembremos do Proálcool, que visava as pequenas destilarias e acabou beneficiando apenas os grandes.
Um projeto de lei que ajude o agropecuarista grande e pequeno deve situar a região não no semiárido, mas nos Domínios Atlântico e Costeiro, explicando que as mudanças climáticas globais estão afetando severamente a região e reconhecendo que o desmatamento e a drenagem em excesso contribuíram para tal secura. Nada de propor barragens em grandes e pequenos rios, mas somente cisternas abastecidas dentro dos limites de oferta de água. Paralelamente, cabe propor um programa intermunicipal de restauração florestal em áreas críticas sob o comendo de especialistas e financiado pelos municípios de acordo com o orçamento de cada um. Lembremos dos royalties do petróleo. Na planície, cabe selecionar áreas destinadas à conservação de umidade. Por fim, estranho que, diante da secura progressiva do Norte/Noroeste fluminense, o eucalipto seja proposto como redenção da economia rural. Olhem o que o eucalipto vem fazendo para ressecar Portugal. Os ruralistas querem ajuda para aprofundar mais ainda o semiárido que os afeta. E acadêmicos estão por trás desse movimento.
*Professor, escritor, historiador e ambientalista

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