Maestro Ethmar Filho - "Nos passos do Libertango"
*Maestro Ethmar Filho 20/10/2025 15:55 - Atualizado em 20/10/2025 15:55
Maestro Ethmar Filhor
Maestro Ethmar Filhor / Reprodução/Facebook
O primeiro (denominado) tango brasileiro, “Olhos Matadores”, surgiu em 1870, antecedendo o primeiro tango argentino – “El Choclo” de 1893 – em duas décadas. O tango brasileiro vem do maxixe e do lundu, com influências da polca europeia e da Habanera, mas, como tudo que acontece no som das Américas, a influência africana salvou a música do continente americano da “sengracês” europeia; somente quando se trata de música popular. É claro que a própria Habanera cubana, que foi levada para a Europa e que está na receita dos dois tipos de tango, inspirou compositores geniais como os franceses Georges Bizet, principalmente em “Carmen”, Claude Debussy, na peça para piano “La Soirré Dans Grenade”, Charbrier, na “Habanera para piano” e o espanhol De Falla, com as “Quatro Peças Espanholas”. Ernesto Nazareth, outro gênio porém nosso, chamou de “Tango brasileiro” dezenas de composições suas, porque o maxixe era muito mal visto no final do século XIX e princípio do XX por ser uma dança muito sensual para a hipócrita sociedade carioca daqueles tempos; a verdade é que, com isso, Nazareth resolveu um grande problema comercial.
Mas atentem para o fato de que, quando falamos em tango, estamos nos referindo ao tango da fronteira natural do Rio da Prata; entre Argentina e Uruguai. Um verdadeiro esplendor instrumental, também como dança e, um pouco menos esplendoroso, como letra, para evitar chama-la de poesia. O tango instrumental argentino se divide em duas fases da história: antes e depois de Ástor Piazzolla. Piazzolla, que conseguiu passar para sua música até mesmo sentimentos ocultos do povo argentino, tais como a mágoa de um regime militar que empurrou para a morte centenas de jovens na disputa pelas Malvinas, soube compor para o álbum, até pouco conhecido dos brasileiros, chamado “Mundial 78”, oito faixas batizadas por ele com termos do futebol, de absoluta elegância, inspiração e talento que só o mestre possuía. Astor, profundamente admirado por jovens instrumentistas e esnobado pelo Chico Buarque de Holanda que pediu uma de suas músicas para botar letra e, segundo ele, “não teve inspiração”, deixou talentosos herdeiros musicais dos quais faço questão de destacar dois deles, que passam pelo Brasil e que foram indicados ao Grammy Latino desse ano, produzidos pelo músico campista Cristiano Simões.
Gravado nos estúdios “Quinta Aumentada”, no Algarves, em Portugal, o álbum Shin-Urayasu, dos músicos Richard Scofano e Alfredo Minetti, me remeteu aos melhores sabores do tango e de Piazzolla, com uma personalidade ímpar desses dois artistas, respectivamente argentino e uruguaio. Minetti e Scofano, recriam com muita qualidade o tango do Rio da Prata e, mais interessante ainda, o sentimento nostálgico do bandoneón, emoldurado pela leveza estética e ao mesmo tempo personalíssima do piano que precisa representar a sonoridade do tango. O Álbum do Duo “Scofano & Minetti”, que possui seis belíssimas músicas assinadas pelo músico argentino Richard Scofano, sendo uma um solo de bandoneón, destaca-se pela primeira faixa que leva o nome do disco. Introspectiva em sua parte inicial e generosamente alegre após a primeira pausa, estabelece uma atmosfera brilhante de contraposições melódicas e harmônicas, que se estende por todo o álbum, tornando-o sério concorrente ao prêmio que já foi ganho quatro vezes por Milton Nascimento, com seis indicações.
Além da produção de Cristiano Simões, que eu gosto de chamar de “O homem das ideias brilhantes”, assinam a ficha técnica do disco, na mixagem e masterização Jorge Cervantes e Mauricio Figueroa, com arte de capa por Valeriano Fernandez, Alfredo Minetti e Adobe Firefly. O design gráfico ficou a cargo de Ana Albertini. Produzindo, além de Cristiano, José Domenech, Valeriano Fernandez, Alfredo Minetti e Mauricio Figueroa. O lançamento é da Dianoia Records, em parceria com Richard Scofano, que detém todos os direitos da obra.
O pianista clássico Alfredo Minetti, nascido no Uruguai, viveu no Brasil antes de se radicar nos Estados Unidos. Estudou no Rio de Janeiro com Undine de Mello e é Ph.D. em Antropologia Cultural pela Universidade de Indiana. Com mais de 30 anos de carreira internacional, o compositor e bandoneonista Richard Scofano já se apresentou em países dos cinco continentes, inclusive com o famoso violonista brasileiro Yamandu Costa. Cristiano Simões, além de pianista e produtor musical, é superintendente de Educação e Cultura da Câmara Municipal de Campos dos Goytacazes.
Conforme sugere o nome, o “Libertango” de Piazzolla, gravado em 1974, em Milão, na Itália, liberta o tango de sua escola tradicional e cria genialmente uma nova e jazzística frente para o tango moderno, frequentado por essa rapaziada talentosa e de vanguarda que, não só concorre grandemente ao Grammy Latino, como precisa ser ouvida por todas as pessoas de bom gosto e por músicos que pretendem fazer a diferença em seus trabalhos. Recomendo audição atenta de “Mundial 78”, de Ástor Piazzolla e Shin-Urayasu, dos músicos Richard Scofano e Alfredo Minetti. Fica a dica.
Maestro Ethmar Filho – Mestre e Doutorando em Cognição e Linguagem pela Uenf, regente de corais e de orquestras sinfônicas há 25 anos.

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