* Arthur Soffiati
18/10/2025 08:48 - Atualizado em 18/10/2025 08:48
Arthur Soffiati
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Divulgação
Quando, a 15 de janeiro de 1742, a Coroa portuguesa desmembrou as vilas de São Salvador e de São João da Praia (atual São João da Barra) da comarca do Rio de Janeiro e as incorporou à nova comarca, criada na Capitania do Espírito Santo, seu corregedor, procurador e ouvidor geral, Paschoal Ferreira Véras, determinou um auto de medição das terras anexadas. A comissão encarregada da demarcação, contando com informações do padre Pedro dos Santos, da Companhia de Jesus e superior da capela de Santana, em Macaé, concluiu, a 30 de dezembro de 1743, que «... até ao presente servia o rio de Macaé de marco e divisa às Justiças de Cabo Frio, de tal sorte que, vindo as ditas Justiças de Cabo Frio a fazer alguma diligência ou prisão a pessoa que se achava no dito sítio de Macaé, se esta passava o dito rio para o norte, se lhe não fazia pelas tais Justiças a diligência ou prisão, e que na mesma forma vindo as Justiças desta Capitania da Paraíba do Sul a alguma diligência ou prisão do sujeito do mesmo sítio de Macaé ou que nele se achasse, passando-se este para o Sul do mesmo rio, se lhe não fazia tal diligência ou prisão pelas ditas Justiças» (Carvalho, Augusto de. Apontamentos para a história da Capitania de S. Tomé. Campos: Tip. e Lit. de Silva, Carneiro e Comp., 1888).
Em 1785, ao delimitar os termos do Distrito dos Campos, Manoel Martins do Couto Reis não manifesta mais nenhuma dúvida: «Os seus termos, ou limites do norte a sul, são os rios Cabapuana e Macaé: este os divide do Distrito de Cabo Frio; assim como aquele, do da Capitania do Espírito Santo, tendo de um a outro extremo confinante, 28 léguas de extensão contadas pela costa (...) A leste confinam com o mar Brasílico e a oeste com sertões das Minas Gerais, em meio dos quais discorre a Cordilheira, ou Serra Geral... (Couto Reis, Manoel Martins do. Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis - 1785. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima/Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011).
No alvorecer do século XIX, parece que Coroa Portuguesa, Governo do Brasil e habitantes do norte-noroeste fluminense, consciente ou inconscientemente, reconheciam a existência de uma região distinta das capitanias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo pela distância de seu principal núcleo urbano – a vila de São Salvador dos Campos dos Goytacases – em relação ao Rio de Janeiro, capital da colônia, e à Vitória, sede do Espírito Santo. Esta posição intermediária entre duas capitanias, já que o norte-noroeste fluminense subordinou-se primeiro à comarca do Rio de Janeiro e, durante noventa anos (1742-1832), à do Espírito Santo, deve ter contribuído, ao lado de suas características naturais e culturais, para que se reivindicasse sua transformação em Província – e ulteriormente em Estado – ou para que a capital primeiro da Província, depois do Estado do Rio de Janeiro, fosse transferida de Niterói para Campos.
Não é mera coincidência que o movimento nascido em Campos, no ano de 1855, pleiteasse a criação de uma nova provícia no Império entre os rios Macaé e Itapemirim, além de parte da Zona da Mata de Minas. A capital se localizaria em Campos. A vila de Itapemirim manifestou interesse em integar essa província, separando-se do Espírito Santo. O movimento foi abortado pelo Poder Legislativo central (Soffiati, Arthur. Propostas de desenvolvimento para o Norte-Noroeste Fluminense em perspectiva histórica. Vértices v. 7, n. 1/3. Campos dos Goytacazes, jan./dez. 2005). Em 1873, Antonio Candido da Cruz Machado redigiu uma memória propondo a redivisão do mapa do Brasil. Novas províncias seriam criadas. A do Espírito Santo perderia terras para a Bahia, ao norte, e compensaria a perda estendendo-se ao norte do Rio de Janeiro num traçado que englobaria toda a lagoa Feia (Machado, Antonio Candido Cruz. Memória relativa ao projeto de uma nova divisão administrativa do Império do Brasil – 1873. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873).
Norte-noroeste fluminense, sul do Espírito Santo e parte da Zona da Mata de Minas apresentam ligações históricas, econômicas e políticas. Minas Gerais foi colonizado a partir de São Paulo e Bahia, mas teve intensa ligação com Campos e São João da Barra. Os rios Itapemirim, Itabapoana, Muriaé, Carangola e Pomba tornaram-se verdadeiros eixos de circulação entre o sul de Minas e o norte do Rio de Janeiro. O comércio era intenso. Ainda hoje, essa movimentação continua. Podemos, assim, delimitar a ecorregião de São Tomé por um polígono que começa na cidade de Marataízes, na foz do rio Itapemirim, e segue passando por Vargem Alta, Castelo, Venda Nova do Imigrante, Lajinha, Alto Caparaó, Caparaó, Caiana, Espera Feliz, Carangola, Faria Lemos, Eugenópolis, Muriaé, Miraí, Dona Euzébia, Aracati, Cataguases, Leopoldina, Pirapetinga, Santa Maria Madalena, Visconde do Imbé e Macaé.
Ainda hoje, entre os rios Macaé e Itapemirim, nas áreas de tabuleiros e planície aluvial, o plantio de cana-de-açúcar e a produção sucro-alcooleira são expressivos. Num raro livro, Magarinos Torres relaciona as 33 usinas então em funcionamento no estado do Rio de Janeiro. Apenas uma localizava-se em Resende. As outras 32 distribuíam-se entre Itaocara, São Fidélis, Macaé, São João da Barra e Campos (A cultura da cana e a indústria açucareira em Campos. Rio de Janeiro: Typografia e Lithografia de Pimenta de Mello & Cia., 1920).
*Professor, historiador, escritor, ambientalista e membro da Academia Campista de Letras (ACL)