Dora Paula Paes
24/05/2025 08:41 - Atualizado em 24/05/2025 08:40
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Luiz Fernando Rosa Mendes*
A cidade de Campos dos Goytacazes, situada aqui na região Norte Fluminense (NF), é recorrentemente citada pela inauguração do primeiro sistema de iluminação pública da América Latina em 1883. No entanto, proponho nesse texto uma reflexão mais ampla sobre a relação entre energia e a nossa região.
Primeiramente, quero destacar que o desenvolvimento da humanidade sempre esteve relacionado ao uso de energia. Logo, há uma relação extremamente complexa entre energia, ambiente e a sociedade.
Nesse sentido, em especial, a trajetória econômica da região NF está intimamente ligada aos ciclos energéticos que, ao longo dos séculos, moldaram o território e suas dinâmicas sociais.
No início do século XVI, com a colonização portuguesa, a região integrou-se ao ciclo do açúcar, centrado na monocultura da cana-de-açúcar. Os engenhos movidos à força animal e humana forjaram um modelo agroexportador baseado no trabalho desumano a partir de pessoas escravizadas, marcando um primeiro e triste vínculo entre a produção de energia e a economia regional.
A partir do século XX, a modernização da agroindústria canavieira levou à consolidação da indústria sucroalcooleira, que passou a produzir não apenas açúcar, mas também etanol, combustível renovável com papel estratégico no contexto energético nacional, principalmente a partir da crise do petróleo no início da década de 1970.
A cana-de-açúcar, além de alimento, tornou-se vetor de energia, integrando a região a uma economia mais diversificada e tecnológica. No auge desse ciclo, em 1986, a região NF chegou a contar com 14 usinas sucroalcooleiras em operação, impulsionadas pela política federal do Proálcool. No entanto, a partir das décadas de 1980 e 1990, o setor passou por um processo de retração, marcado pelo fechamento de usinas, perda de competitividade frente a outros polos produtivos e crises nos preços internacionais do açúcar e do álcool, provocando desemprego e esvaziamento econômico em áreas antes dinâmicas.
O grande marco de inflexão ocorreu a partir da descoberta do campo de petróleo Garoupa em 1974 na Bacia de Campos, iniciando as operações da Petrobrás na região. Essa nova fronteira energética alçou o NF a uma posição central na matriz econômica brasileira. A cidade de Macaé transformou-se em polo logístico e industrial, enquanto municípios passaram a depender intensamente das receitas dos royalties.
No auge da exploração, em 2003, a Bacia de Campos produziu uma média de 1,3 milhão de barris de petróleo por dia, o que representava cerca de 80% da produção nacional à época. Essa intensa atividade gerou crescimento, mas também acentuou desigualdades e a dependência de uma fonte energética não renovável (fóssil), que quando queimada libera gases que intensificam o efeito estufa e contribuem fortemente para as mudanças climáticas.
A partir da década de 2010, a indústria do petróleo na região começou a enfrentar um declínio progressivo, com o amadurecimento dos campos, redução da produtividade e migração dos investimentos para o pré-sal em outras regiões, como a Bacia de Santos. Isso provocou impactos econômicos e sociais relevantes, evidenciando a fragilidade de uma economia excessivamente dependente de um único setor.
Paralelamente ao declínio da produção de óleo, a exploração de gás natural na Bacia de Campos tem ganhado protagonismo, sendo vista como alternativa para prolongar a relevância energética da região. O gás, considerado uma fonte de transição, porém uma não renovável, mas que emite menos carbono que o petróleo ou carvão, vem impulsionando novos projetos de geração termoelétrica, especialmente no Porto do Açu e no município de Macaé. No entanto, esse crescimento da geração termoelétrica baseada em gás natural também levanta questionamentos diante do atual cenário de transição energética global, que busca a substituição de combustíveis fósseis por fontes totalmente mais limpas. Assim, ainda que o gás represente uma ponte para um novo modelo energético, ele pode também retardar investimentos mais robustos em energias renováveis, tensionando os compromissos de descarbonização.
Atualmente, o NF vive mais uma transição: a emergência das energias renováveis. O Porto do Açu, situado no município de São João da Barra, desponta como plataforma estratégica para a expansão da energia eólica offshore e da energia solar, aproveitando as condições naturais da região e atraindo investimentos de grandes grupos nacionais e internacionais. Inserido nesse novo ciclo energético, o hidrogênio verde — produzido a partir de fontes mais limpas como a solar e a eólica — surge como vetor energético promissor para a descarbonização da economia, especialmente nos setores de difícil eletrificação, como a indústria pesada e o transporte marítimo. O Porto do Açu já figura como potencial hub de produção e exportação de hidrogênio verde, integrando-se às cadeias globais da transição energética.
Assim, do engenho colonial às usinas eólicas, solares, termoelétricas e plantas de hidrogênio verde, a história do NF está associada às transformações energéticas que impulsionaram — e continuam a impulsionar — sua economia. Neste novo ciclo, o desafio é garantir que a energia do futuro promova inclusão, inovação e resiliência socioambiental, consolidando a região como referência em desenvolvimento mais sustentável no século XXI, assim esperamos.
*Doutor em Ciências Naturais Professor do Instituto Federal Fluminense