Matheus Machado Orioli*
12/12/2025 16:35 - Atualizado em 12/12/2025 16:38
Área de implantação de condomínios de alta renda e comunidade Margem da Linha, em Campos dos Goytacazes – separados por vegetação, terrenos vazios e muros.
/
Google Earth, 2025.
As transformações urbanas vêm refletindo um novo quadro da desigualdade. De um lado, condomínios de alto padrão com o slogan da segurança; de outro, conjuntos habitacionais populares empurrados para a periferia.
É essencial entender os atores que influenciam no processo de produção do espaço urbano, com destaque para a elite local, especialmente os proprietários de terras e os agentes do mercado imobiliário e do capital privado, que detêm interesses econômicos sobre a cidade. Sua atuação é legitimada pelo Estado, que, muitas vezes, permite a conformação de espaços urbanos de forma alinhada ao capital rentista, validando empreendimentos que conferem e (re)afirmam o processo de segregação socioespacial. Essa é uma realidade comum nas dinâmicas urbanas das cidades brasileiras.
Embora as legislações e instrumentos de gestão urbana existam para garantir uma expansão justa e democrática, resultando em regulações mais rigorosas em favor do interesse público, a cidade concreta resulta dos conflitos cotidianos entre os interesses, demandas e necessidades dos seus habitantes. Há uma luta permanente entre interesses privados e interesse público na ocupação e no uso da terra urbana.
A partir de uma análise da ocupação territorial em Campos dos Goytacazes, é possível perceber a intensificação da franja urbana da cidade nas últimas décadas, a partir do desmembramento de grandes glebas rurais. Com a incorporação urbana de áreas agrícolas tradicionais, novos espaços vêm sendo ocupados e integrados ao perímetro urbano do município, criando novas dinâmicas e alterando as demandas por infraestruturas e serviços.
Além da pressão por parte dos proprietários das antigas terras rurais, outros atores participaram — e participam — do processo de expansão urbana pautada na aferição de grandes lucros, como os promotores imobiliários e agentes da construção civil. Somada a isso, ocorre ainda a participação do poder público, a partir da inclusão das terras ociosas no perímetro urbano e da legitimação de empreendimentos privados pautados nas lógicas rentistas.
As recentes transformações no espaço urbano de Campos dos Goytacazes, regidas pelo poder do capital, pelo valor atribuído à terra e pelas relações favorecidas entre os segmentos mencionados e o poder público, apresentam dinâmicas espaciais que refletem as desigualdades e agravam a segregação. Os sinais mais visíveis dessa realidade são a implantação de conjuntos habitacionais populares e condomínios fechados que promovem a segregação e a fragmentação socioespacial desses espaços através de representações materiais e/ou simbólicas — materiais, no sentido de barreiras físicas como muros e bloqueios; simbólicas, enquanto barreiras subjetivas inerentes à apropriação e sentimento de pertencimento, que leva as pessoas a frequentarem, ou não, determinados espaços.
A expansão se manifesta, então, sob duas óticas: do público e do privado. Pela perspectiva pública, tem-se o remodelamento do espaço urbano e reassentamento das camadas populares para áreas cada vez mais periféricas, por meio da implementação de conjuntos habitacionais populares. Pela ótica privada, tem-se a abertura de caminhos para iniciativas de configuração de espaços privados murados para as camadas de média e alta rendas, através de investimentos urbanos cada vez mais agressivos, potencializados por incorporadoras imobiliárias de dimensão e alcance metropolitanos, embebidos pelos ideais de empreendedorismo urbano, através de condomínios residenciais fechados.
Assim, a expansão urbana periférica em Campos dos Goytacazes, pautada nos interesses rentistas, se materializa em empreendimentos que, ao venderem ideais de “novo estilo de morar” ou “morar com segurança”, na verdade criam espaços urbanos que segregam, excluem e ampliam as diferenças, num tecido urbano já fragmentado, espacial e socialmente.
Com isso, a cidade real perde, paulatinamente, suas possibilidades de apropriação e significação dos espaços, levando à supressão dos sentimentos, como na comunidade Alphaville do filme de Godard. A cidade do capital reprime a pluralidade, restando apenas a ausência. As barreiras sufocam a vida urbana. Diante deste cenário, é imperativo questionar a quem o arcabouço legal vem servindo. É necessário retomar as entrelinhas da discussão. É preciso repensar a urbanização para além da lógica do lucro e recuperar os espaços públicos como centros de convivência e diversidade. É preciso derrubar as barreiras, e toda barreira tem dois lados.
*O autor é arquiteto e urbanista, mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela Universidade Cândido Mendes - UCAM Campos, pesquisador assistente do Observatório das Metrópoles, Núcleo Norte Fluminense.