* Arthur Soffiati
10/05/2025 09:12 - Atualizado em 10/05/2025 09:12
Arthur Soffiati
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Portugal chegou à Ásia no fim do século XV deliberadamente. Não foi por acaso que a caravela conduzindo Vasco da Gama chegou à Índia. A Coroa portuguesa buscava a fonte das especiarias, assim como Espanha, Holanda, França e Inglaterra farão em seguida.
A Índia era para os europeus as Índias orientais, enquanto que a América eram as Índias ocidentais. Portugal alcançou as costas da Índia em 1498, mas só em 1510 conseguiu fincar sua bandeira num pequeno território indiano que se tornaria a sede do seu império no oceano Índico. Chamava-se Goa. Dali, partiram expedições militares e comerciais para o norte e para o sul. Portugal ergueu vários entrepostos na costa ocidental da Índia. Os mais famosos, além de Goa, foram Damão e Diu. Damão situa-se na mesma costa em que está Goa, mais para o norte. Diu foi instalado numa ilha e arredores, mais ao norte ainda, na península de Guzerate.
É engano pensar que Portugal fundou essas colônias só por meio de guerras e armas de fogo. Ele contou com o apoio de autoridades locais. Quando os portugueses chegaram a ela, o movimento comercial já era intenso. A intenção, em 1513 e em 1531, de criar ali numa feitoria portuguesa fracassou. Foi o sultão de Guzerate, Bahadur Xá, que ofereceu Diu aos portugueses em 1535 como recompensa pela ajuda que eles deram ao governante na luta contra o Grão-Mogol de Deli.
Por meio de lutas e negociações, a ilha de Ormuz, Malaca, Macau, Timor e entrepostos na costa oriental da Índia, no Ceilão e na Indonésia (até mesmo no recalcitrante Japão) foram conquistados.
No caso de Diu, o sultão Bahadur Xá lutou para reavê-lo e acabou derrotado e morto pelos portugueses. A luta entre ambas as partes prolongou-se até 1538. Diu foi cercada duas vezes. Portugal saiu vencedor em 1546. Essa vitória foi celebrada no livro “Relação das proezas levadas a efeito pelos portugueses na Índia, junto de Diu, no ano da nossa salvação de 1546”, cuja primeira edição data de 1548. A edição que nos serviu de base foi lançada em 1995 (Lisboa: Cotovia) pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.
Também Francisco D’Andrade celebrou a vitória lusitana em “O primeiro cerco de Diu” num longo poema camoniano com estrofe de oito versos. O livro veio a lume em 1589. Tenho a edição de 1852 (Lisboa: Escriptorio da Biblioteca Portuguesa). A partir da vitória de 1546, Diu foi fortificada e cristianizada. Uma muralha foi construída na periferia da cidade, com uma fortaleza numa extremidade da ilha. Graças às defesas, Diu resistiu, no final do século XVII, a ataques de árabes e de holandeses.
A partir do século XVIII, começou o declínio de Diu e das demais possessões portuguesas na Ásia, com exceção de Macau. O ouro do Brasil e a expansão de holandeses, franceses e ingleses selaram essa decadência. Mas, enquanto domínio português, Diu foi povoada de igrejas católicas apostólicas romanas em que o estilo ocidental mesclou-se ao estilo indiano.
Carlos de Azevedo, no livro “A arte de Goa, Damão e Diu (Lisboa: Comissão Executiva do V Centenário do Nascimento de Vasco da Gama, 1970), escreve que a igreja de Diu, concebida em gosto clássico, tem proporções elegantes e apresenta uma curiosíssima decoração em que motivos renascentistas e maneiristas se misturam com motivos indianos, conferindo à fachada uma concepção perfeitamente oriental quanto ao preenchimento do espaço.”
Parece inevitável que a cultura invasora se misture à local em território invadido. A sóbria arquitetura muçulmana recebeu influência da arquitetura hinduísta. A arquitetura, a escultura e a pintura cristãs receberam influência da arte dos povos mexicanos e peruanos pré-europeus. Até mesmo culturas americanas que os europeus consideravam desprezíveis marcaram a arte europeia. Trabalhadores locais aprenderam a construir prédios em moldes europeus, mas, inconscientemente, conservaram sua marca original. Essas igrejas, várias delas ainda em funcionamento, ergueram-se ao lado de templos hinduístas, jainistas e muçulmanos.
A partir do século XVIII, a importância estratégica de Diu entrou em declínio. O núcleo urbano transformou-se numa espécie de relíquia, de museu a céu aberto, de ecomuseu a testemunhar uma fase de opulência dos domínios portugueses na Índia.
Diu foi domínio português entre 1535 e 1961. Após independência da Índia, em 1947, o processo de união interna para a formação de um Estado nacional nos moldes europeus exigia a incorporação dos domínios portugueses. Em 1961, o presidente Nehru incorporou Goa, Damão e Diu à União Indiana. As marcas portuguesas não foram de todo apagadas. Restam ainda igrejas, ruínas de fortalezas e casas residenciais. Vocábulos portugueses persistem na língua. O português escrito e falado tende a desaparecer. Mas, além de Goa, Damão e Diu merecem ser conhecidos por todo aquele que estuda o processo de globalização.